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Artigos e Notícias

O CISNE NEGRO. FORÇA MAIOR OU FATO DO PRÍNCIPE?

3 de junho de 2020

“Um Cisne Negro é um evento com três características elementares: é imprevisível, ocasiona resultados impactantes e, após sua ocorrência inventamos um meio de torná-lo menos aleatório e mais explicável.”

A definição de “Cisne Negro” pode ser compreendida da leitura do livro escrito por Nassim Nicholas Taleb, denominado: A lógica do Cisne Negro. O autor é famoso, dentre outros motivos, por ser um grande investidor e conhecedor do mercado financeiro, além de um grande vendedor de livros, alguns best-sellers, inclusive.

O autor trata no citado livro sobre como as pessoas devem lidar com eventos inesperados em um mundo imprevisível e que elas tenham a consciência e aceitem que esses eventos, uma hora ou outra, acontecerão.  Como exemplo de “Cisne Negro”, o autor menciona o sucesso surpreendente do Google, o ataque ao Word Trade Center em 11 de setembro e a primeira guerra mundial.

Quem teve contato com essa definição ou mesmo leu o livro de Taleb, não tem dúvida que a pandemia causada pelo COVID-19 se encaixa perfeitamente no conceito de Cisne Negro. Afinal, não havia qualquer previsão de sua ocorrência e muito menos da sua magnitude, com impacto e resultados negativos na vida das pessoas, ocasionando mortes, caos nos sistemas de saúde, além, é claro, do abalo ao sistema financeiro, com a derrocada dos negócios de milhões de empreendedores e o aumento substancial do número de desempregados.

Nesse sentido, há um grande debate no meio jurídico trabalhista acerca do correto enquadramento jurídico da COVID-19 nas rescisões de contrato de trabalho dos empregados em caso da impossibilidade financeira da continuidade do negócio onde laboravam.

O questionamento que exsurge é: Seria a pandemia ocasionada pelo COVID-19 e seus efeitos no fechamento de empresas e nas rescisões de contrato de trabalho, caracterizada como força maior, com previsão no art. 501 da CLT ou “factum principis” (fato do príncipe), como previsto no art. 486 da CLT?

O art. 486 da CLT donde se extrai o conceito de fato do príncipe, assim prescreve: No caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável”.

Já o art. 501 da CLT assim define força maior: Entende-se como força maior todo acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente.§ 1º – A imprevidência do empregador exclui a razão de força maior.§ 2º – À ocorrência do motivo de força maior que não afetar substâncialmente, nem for suscetível de afetar, em tais condições, a situação econômica e financeira da empresa não se aplicam as restrições desta Lei referentes ao disposto neste Capítulo.

A Medida provisória n.º 927/2020, art. 1º, parágrafo único, dá um norte e possivelmente aponta para uma resposta a essa questão quando diz: “O disposto nesta Medida Provisória se aplica durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 2020, e, para fins trabalhistas, constitui hipótese de força maior, nos termos do disposto no art. 501 da Consolidação das Leis do Trabalho”.

Esse assunto estaria resolvido se estivéssemos lidando com ciências exatas, não é mesmo?!

Contudo, é sabido que o Direito não é Matemática e, ainda que a MP expresse categoricamente que se aplica durante o estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 2020, e, para fins trabalhistas, constitui hipótese de força maior, nos termos do disposto no art. 501 da Consolidação das Leis do Trabalho, não significa que a totalidade dos juristas concordem com essa disposição. Por esse motivo, diversas discussões estão sendo travadas no âmbito acadêmico e até mesmo no Poder Judiciário, sobre quem é o responsável pelo pagamento das verbas rescisórias dos trabalhadores demitidos por empresas que não suportaram a crise financeira causada pela COVID-19 e, quais verbas devem ser custeadas pelo Estado e pelo empregador.

Sem pretensão de encerrar a discussão, mas apenas contribuir para o debate, sendo a Covid-19 um Cisne Negro e, como tal, um acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente,  e sendo a decretação da quarentena ou lockdown, um ato do Estado (príncipe) tomado em razão de medidas de saúde no sentido de conter a disseminação do vírus entre os cidadãos e resguardar o interesse maior da população, salvo melhor juízo, sem liberdade ou alternativa em sentido contrário, não parece razoável, segundo os preceitos acima apontados, que o Estado (príncipe) seja responsabilizado pelo pagamento de indenização aos empregados demitidos, conforme previsto no art. 486 da CLT.

Ao que parece, o disposto no parágrafo único da MP n.º 927/2020 deverá prevalecer em futuras decisões judiciais nesse sentido, caso todos os requisitos do art. 501 e seguintes da CLT sejam cumpridos, tais como: a) inexistência de negligência ou incúria do empregador na condução dos negócios e b) que exista comprovação que a ocorrência do motivo de força maior tenha afetado substancialmente a situação econômica e financeira da empresa, por exemplo. Mas, como o Direito permite várias interpretações sobre o mesmo assunto e admitindo que algumas decisões são tomadas considerando-se questões políticas envolvidas, somente o tempo irá responder se o Cisne Negro em questão será interpretado como força maior ou fato do príncipe.

O autor de A Lógica do Cisne Negro escreve que é impossível tentar antecipar e prever o futuro, já que aquilo que conhecemos é muito menor em relação ao que não conhecemos e, no Direito, tudo indica, que a situação não é diferente, ainda que o conhecimento técnico sobre o direito do trabalho não seja tão menor em relação ao que não conhecemos dele, como ocorre em quase todos os assuntos e dilemas em nossas vidas.

Leonardo Aurelio Pardini – Sócio do escritório Soto Frugis Advogados.